Uma viagem de transportes públicos. Uma situação de potencial conflito. A dúvida - intervir ou não?

Ontem, ao sair do comboio deparei-me com mais um decorrer de eventos que me levaram a duvidar se havia ou não de intervir. Conto a história aqui tal qual me lembro dela, entendo que a mesma não é privada por se ter passado em local público.

Um convite a refletir, antes de continuar ler a história e prosseguir o diálogo

É possível que algum leitor crie associações na sua memória ao ler este texto. O que peço é que, criando-as, esteja consciente que os personagens desta história são um mero relato da minha memória e que enquanto relato/observação de uma realidade, não contém toda a realidade nem nenhuma verdade absoluta. Assim, possa qualquer memória ou ação decorrente deste texto caminhar no sentido de melhorar a qualidade de vida das pessoas de forma consciente ao invés de criar estigmas ou alimentar preconceitos “só porque foi assim que me contaram ou li em algum lado uma história que…”. Os preconceitos podem ajudar a tomar decisões. Deixam de ser úteis para a colaboração humana quando essas decisões impedem outro ser humano de ter acesso a necessidades básicas. (Este prelúdio vem-me depois de ter visto o documentário “ilha das flores” e o seu subsequente…a que convido desde já todos a ver e refletir sobre o impacto que os “filmes” e as histórias têm em nós). Possa o leitor ter a capacidade de pensar por si próprio, com base na sua realidade e esteja consciente que os pensamentos que alimenta o conduzem a viver determinadas realidades. O ser humano pode mudar. Até ao fim da sua vida e possivelmente mais além também. São crenças que vou alimentando até estar completamente satisfeito comigo mesmo.

Espero que disfrute desta história e que possa a mesma contribuir para uma visão de sociedade mais consciente, e possamos aqui, neste espaço de fórum, refletir então sobre o que é uma situação de potencial conflito e sobre o que podemos fazer, seja no próprio momento da situação, seja depois da mesma e antes da mesma também.


Depois de sair do comboio, na estação de Campolide, e ao passar o bilhete para as portas se abrirem e eu sair da zona das linhas de comboio para o átrio central, noto que há uma pessoa que quer passar atrás de mim, sem pagar.

Páro, penso e não impeço a que o faça - com o pressuposto de que não tenho nenhum motivo suficientemente forte para o impedir. Segundos depois, uns passos à frente, oiço “Patrícia, dá aí o isqueiro”, e observo mais à frente uma mulher, a olhar para trás e a dar o dito isqueiro a este homem que poderia ser considerado magro, com duas rastas, camisa azul semi aberta com uns colares ao peito.

A expressão que ela fez levou-me para um lugar de medo e alguma frustração. A história que contei na minha cabeça era que ela gostaria de estar sem a companhia dele e o medo que me surgiu foi que ele estivesse de alguma forma a “persegui-la”, sem o seu consentimento. Segui o meu caminho e eles o deles. Ainda olhei para trás para tentar perceber se a história que contava para mim mesmo fazia sentido ou se era fruto das inúmeras histórias e filmes que vi no meu passado.

Eu tinha pensado apanhar o comboio para Alcântara, mas entretanto ao ver as horas e depois de comer relutantemente um croissant com queijo (eu pedi uma sandes que não havia, depois um “pão de Deus” que parecia haver mas não havia e a hesitação com o croissant deveu-se à fritura que aquela massa leva. Decisão tomada pensei que um pouco de gordura até que podia ser útil).

As escadas estavam do meu lado esquerdo e ao longe vi o 713 que eu sabia passar em Alcãntara. Decidi então correr um pouco para o apanhar, com receio que o tempo de espera pelo comboio não me permitisse cumprir com tudo o que tinha planeado para esse dia.

Estava a entrar no autocarro quando me apercebo que o tal homem estava a entrar antes de mim, aparentemente também sem pagar o autocarro e sentando-se ao lado da tal mulher.

Sento-me num lugar e consigo vẽ-los um pouco mais à frente. A certa altura ela muda de lugar. Algures na Av. de Ceuta, carrega no botão para parar. Ele levanta-se também e senta-se. Ela ri-se olhando para ele, e aproxima-se da porta sozinha. Ele continuando sentado. Ele levanta-se já com a porta aberta. Ao sair, algo cai no chão…seria o isqueiro? Ela parece seguir caminho, andando a passo normal. (Na minha cabeça eu equacionava a hipótese de ela começar a correr).

Em mim ficou o medo de que aquele homem pudesse de alguma forma agredir aquela mulher. É talvez esse medo que me convoca a contar aqui esta história. Talvez alguém conheça o referido casal. Talvez haja algo a fazer. Talvez não.

Observo que na minha educação houve momentos em que fui convidado a “proteger o mais fraco”.

Ao mesmo tempo, estou atento e vou observando.

Em que situações é que o leitor também duvidou?
Em que outras não duvidou e agiu?
Qual é a história associada?

Conseguiremos encontrar padrões nestas nossas histórias no sentido de melhor compreender as suas variadas dimensões?

Quando é que efetivamente faz ou não sentido intervir?
E qual a melhor maneira de o fazer em cada situação, de forma a que todos possamos estar em paz com essa intervenção?

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Bem, assim só pela descrição da situação sentem-se muitas pontas soltas, dá a sensação que haveria algo mais para sentires vontade de intervir (e que não passa no texto). Afinal, podem haver pequenos sinais, que só a nossa intuição reconhece… mas assim não parecia haver qualquer evidência cabal que justificasse intervenção… (pelo menos a partir da leitura que fiz…). A mais, é conveniente alguma cautela e sabedoria em intervenções defensivas, que podem facilmente ser interpretadas como “ataques” mesmo que essa não seja de todo a intenção (e logo subverter a situação)… É apenas a minha opinião…